terça-feira, 11 de maio de 2010

O dia em que minha mãe transformou batatas em pêras


Dia das Mães inesquecível? Aquele que passei em Nova York, com minha filha, numa igreja gospel? Não. Estava longe dos outros filhos e, portanto não seria perfeito.

Aquele que passamos em Buenos Aires, passeando na Recoleta? Não. Também estava longe dos outros filhos..

Qual então? Onde fora?

Esse dia inesquecível não passei como mãe: passei como filha.

Sabia fazer contas como ninguém. Multiplicava os salgadinhos que fazia pelo preço unitário e chegava ao resultado antes mesmo de nós, os filhos, que sabíamos a tabuada de cor. Ela não sabia ler, mas exigia que os filhos só tirassem notas boas na escola.

Era Dia das Mães. Eu tinha 15 anos. Morávamos numa casinha simples e brilhante no interior do Paraná. Minha mãe havia recebido uma encomenda muito grande de salgadinhos, e tinha recebido um bom dinheiro. Prometera que o almoço desse dia, além daquele frango maravilhoso que ela fazia como ninguém, teria uma sobremesa surpresa.

Estávamos acostumados aos doces de todo dia: doce de abóbora, de mamão, de cidra…. Mas eram doces caseiros, doces que já não tinham a surpresa do sabor. Ficamos imaginando o que seria a surpresa.

Um pudim de leite condensado? Morangos com chantilly? Era época de morango?

Domingo, mesa posta, família toda reunida. Esperávamos meu pai, que tinha ido à missa do domingo.

No ar, uma alegria misturada com o mistério da sobremesa.

Meu pai chegou, almoçamos. “E, mãe, cadê a sobremesa?”

Não havia nada na geladeira, nada que nossas bisbilhotices pudessem ter descoberto.

Minha mãe então foi até seu quarto e, de dentro do armário, tirou uma caixa de papelão. Dentro, bem escondidas, embrulhadas num jornal, havia três latas de doces. De doces, como ela supunha que fossem.

“Vejam só, crianças”, disse minha mãe. “Peras em calda!”

Na foto que ilustrava a lata, as batatas facilmente eram confundidas com peras. Minha mãe não sabia ler. Não poderia imaginar que existisse batata em conserva. E em latas, como as peras e os pessegos.

Ninguém teve coragem de falar. Ou, antes, ninguém queria falar.

Minha mãe começou a abrir aquelas latas feliz e orgulhosa.

Despejou o conteudo daquelas latas numa travessa e acho que, na excitação daquele ato, nem estava percebendo que eram batatas.

Ela começou a servir um por um. Todos quietos, mudos, recebendo suas porções sem saber o que falar.

O primeiro começou a comer, foi seguido pelo outro, e outro, que seguiu os demais. E, de repente, éramos quatro filhos e um pai comendo batatas como se fossem peras.

Minha mãe tinha o hábito de servir os filhos. Ficava andando pela cozinha e, geralmente, só sentava quando praticamente já tínhamos acabado de comer.

Quando terminamos de comer a sobremesa – juro, juro, que todo mundo comeu toda sua porção – minha mãe perguntou: “Estava bom?”

Todos reponderam que estava ótimo.

Sobrou na tigela uma batata. Minha mãe disse que não queria, não gostava de pera. Meu pai prontamente disse: “Vou terminar com esse pedaço, então. Está muito bom!”

Minha mãe morreu em 2006. Nunca soube que serviu batatas de sobremesa. Porque para nós, o que comemos naquele dia, foi a pera mais saborosa do mundo. Mesmo que não o tenha sido naquele dia, nas nossa lembranças, aquela cumplicidade muda, com que nós, seus filhos, nos comunicamos só com o olhar, transformou a batata azeda na fruta doce.

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