sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Lá em casa, lá na casa onde eu era criança, as compras de comida eram feitas na cooperativa do ferroviários. Havia uma caderneta já com a relação dos produtos e uma vez por mês um filho era escalado pra ditar pra minha mãe e ela ia especificando as quantidades.
A caderneta era entregue lá na cooperativa e uns dias depois vinha um carroceiro entregar a "compra". Todo mês era o mesmo ritual.
Mas um...a vez por ano, meu pai avisava: a cooperativa "abriu limite". Abrir limite era o máximo. Significava que iríamos comprar tecidos.
Num dia bem cedinho, saiamos minha mãe e minha irmãs. Na cooperativa havia uma longa fila, acho que esse limite era aberto pra todos os ferroviários e esperamos na fila por umas 4 horas. Lá pelo meio dia chegava a nossa vez. Era atendido uma família por vez. O vendedor ia então abrindo as peças de tecido no balcão. Musselinas, chifom, chamelote, Piquet, voal, ana ruga, cretone para lençóis. Uma profusão de cores e texturas. Minha mãe não me deixava escolher, ela decidia o tecido e a prioridade. Filhas mais velhas eram privilegiadas. Eu, a mais nova tinha que aceitar a escolha. Mas não achava ruim, a mãe sabia o que era melhor. Já em casa, ela escolhia os modelos que estavam moda e aqueles cortes viraram lindos vestidos.
Acho que só antigamente os tecidos encolhiam. Então minha mãe lavava todos os tecidos antes de costurar. Eu não entendia porque ela fazia isso. Ela tirava do tecido o que eu mais gostava: o cheiro da goma, o cheiro do tecido novo. Eu guardava retalhos que não tinham sido lavados só pra ficar sentindo o cheiro da goma.
Hoje fui numa loja de tecidos. Uma loja grande. Uma profusão de tipos, cores e texturas. Fiquei por ali na loja passeando entre os corredores, sentindo o cheiro, a maciez dos tecidos, as cores. A vendedora solicita quis saber por 2 vezes se já tinha sido atendida. Com explicar pra ela o que eu queria?? Eu queria minha mãe ali pra comprar tecidos e fazer vestidos pra mim. Eu queria a minha infância.
Sorvete de assai -
estava tirando uns restos de entulho que ficou da obra e colocando na calçada para o "moço do carrinho" levar ao Eco Ponto .
na rua em frente a casa uns meninos empinavam pipa. uns deles o menorzinho perguntou se tinha algum serviço pra fazer.
tenho sim respondi. quer me ajudar com umas madeiras que quero empilhar na garagem? ofereci 5 reais e um maior também se ofereceu. ...
acho que eu mais que eles transportei as madeiras e no final perguntei: o que você vai fazer com o dinheiro?
- ai dona me disse o menorzinho (que nessas alturas já tinha me contado que tinha 8 anos, morava com a avó, tinha medo de cachorro e de altura,) vou comprar uma coisa que faz tempo que eu quero e nunca consegui comprar.
gelei. pensei comigo, será que ele acha que 5 reais é bastante dinheiro e ele quer comprar um brinquedo?? tipo um vídeo game?
- e o que você quer comprar?
- quero comprar sorvete de assai. sabe aquele que tem ali no sacolão ? então eu nunca provei, tenho maior vontade.
- vamos fazer o seguinte: o sacolão já fechou então amanhã nos vamos lá e vou comprar sorvete de assai pra você . por ora tenho sorvete de flocos, você quer?
- quero sim dona, acho que eu gosto de flocos, nunca provei, mas quero sim.
dei o sorvete , eles tomaram e depois o menorzinho me perguntou: a senhora é rica dona??
- não sou rica não. porque você acha que sou rica??
- ah né dona, gente que tem sorvete em casa deve ser rica né. e quem paga sorvete de assai também...