terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O varredor de rua

Estava parada no ponto de ônibus, esperando a segunda condução que me levaria para o trabalho.
Parada ali na Rio Branco, em frente ao palácio dos Campos Eliseos, procurei no braço do homem ao meu lado ver as horas. Percebi que o relógio estava colocado ao contrário no braço, achei que o relógio estivesse quebrado. Mirei na pessoa daquele braço, pois até então só me interessava naquela pessoa o braço. Sou assim, fico tão absorta nos meus pensamentos, que não olho para as pessoas. Elas são apenas umas manchas brancas, ou coloridas, ou disformes ou seja lá como for sua forma fisica. Não focalizo nem mesmo o ser que senta ao meu lado no banco do ônibus. Mas o caso é que permiti mirar o todo daquele braço e dirigi-lhe a palavra. _ Seu relógio está ao contrário, está quebrado? - Não ele me respondeu. Eu uso assim mesmo, desde menino, gosto de usar o relógio ao contrário. Todos cobram isso de mim, mas é só assim que sei usar o relógio.
O ser que me respondeu era uma homem que aparentava uns 40 anos.  Na boca nenhum dente superior. Apenas os inferiores. Mas tinha um olhar doce. E eu quis conrtinuar a prosa.
Nisso o ônibus chega e ele também vai para o mesmo lado que eu. Embarcamos, sento e ele senta logo atrás de mim. Viro de lado e pergunto: 
- O senhor vai indo trabalhar?
- Vou sim . Vou lá no Parque Dom Pedro.
-O Senhor entra a que horas?
- Ah eu entro as duas horas.
_Tá indo cedo então, porque agora é 12h20, né.
-È eu gosto de chegar cedo, bater o cartão.....
Percebo que ele está com o uniforme novinho dos garis da varrição. Aqui em São Paulo houve uma mudança na empresa que presta serviços para a Prefeitura. Os uniformes de cor laranja passaram a ser verdes.
- O Senhor é da turma de varrição?
- Sou sim como a senhora sabe?
- Ah, explico, é que eu trabalho na Prefeitura e sei que a empresa mudou a cor dos uniformes.
- Eu trabalho na varrição, nas imediações do mercado municipal, e também um  pedaço da Vinte e Cinco de Março, ele me explica. O trabalho é muito duro dona, tem gente que não fica nem um mês, não aguenta o puxado. A gente varre e quando olha pra trás nem parece que varreu, o povo é muito desleixado. Eu estou nisso à 16 anos.
- Quanto é o salário ? pergunto.
- O salário é  $ 760,00, mais vale refeição e alimentação $420,00, mais o vale transporte. No final dá uns mil e cem. 
- O senhor tem quantos anos?
-Tenho 56 anos, dona.
- Digo:  nem parece. O senhor tá bem conservado. E é verdade, ele é magro, na medida certa, e realmente não aparenta ter 56 anos.
- O senhor é casado?
- Sou sim, fiquei 10 anos separado, mas agora to casado.
- Tem filhos?
- Tenho sim mas estão todos casados.
- Ah então dá pra viver bem com esse salário né?
- Dá sim, dá até pra guardar o salario todinho. A gente compra no mercado com os vales e quando não tem carnê pra pagar dá pra guardar o salário todinho.
-  Gostou do uniforme novo?
- Ah gostei. É do palmeiras né. Todo verde.
- Quantos uniformes a empresa fornece?
- Eles dão 2 mudas, um sapato e dois bonés.
- E é suficente, pergunto? E quando chove?
- Ah tem capa também.
O Onibus encosta no Largo do Paissandu, nossa parada. Descemos.
Já na praça, eu estendo  a mão para o homem, desejo boa sorte, um feliz ano novo.. Tenho quase que  uma vontade de dar-lhe um abraço e dizer que tenho orgulho de trabalhadores como ele. Não ouso tanto. Mas olho bem no fundo dos olhos dele e ele também me olha nos olhos e me diz: Boa sorte dona, quem sabe a gente se encontra outro dia.
É, quem sabe a gente se encontra outro dia.

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