sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O DIA EM QUE MINHA MAE TRANSFORMOU BATATAS EM PERA

Dia das Mães inesquecível? Aquele que passei em Nova York, com minha filha, numa igreja gospel? Não. Estava longe dos outros filhos e, portanto não seria perfeito.

Aquele que passamos em Buenos Aires, passeando na Recoleta? Não. Também estava longe dos outros filhos..

Qual então? Onde fora?

Esse dia inesquecível não passei como mãe: passei como filha.

Minha mãe era analfabeta. Sabia fazer contas como ninguém. Multiplicava os salgadinhos que fazia pelo preço unitário e chegava ao resultado antes mesmo de nós, os filhos, que sabíamos a tabuada de cor. Ela não sabia ler, mas exigia que os filhos só tirassem notas boas na escola.

Era Dia das Mães. Eu tinha 15 anos. Morávamos numa casinha simples e brilhante no interior do Paraná. Minha mãe havia recebido uma encomenda muito grande de salgadinhos, e tinha recebido um bom dinheiro. Prometera que o almoço desse dia, além daquele frango maravilhoso que ela fazia como ninguém, teria uma sobremesa surpresa.

Estávamos acostumados aos doces de todo dia: doce de abóbora, de mamão, de cidra…. Mas eram doces caseiros, doces que já não tinham a surpresa do sabor. Ficamos imaginando o que seria a surpresa.

Um pudim de leite condensado? Morangos com chantilly? Era época de morango?

Domingo, mesa posta, família toda reunida. Esperávamos meu pai, que tinha ido à missa do domingo.

No ar, uma alegria misturada com o mistério da sobremesa.

Meu pai chegou, almoçamos. “E, mãe, cadê a sobremesa?”

Não havia nada na geladeira, nada que nossas bisbilhotices pudessem ter descoberto.

Minha mãe então foi até seu quarto e, de dentro do armário, tirou uma caixa de papelão. Dentro, bem escondidas, embrulhadas num jornal, havia três latas de doces. De doces, como ela supunha que fossem.

“Vejam só, crianças”, disse minha mãe. “Peras em calda!”


Na foto que ilustrava a lata, as batatas facilmente eram confundidas com peras. Minha mãe não sabia ler. Não poderia imaginar que existisse batata em conserva. E em latas, como as peras e os pessegos.

Ninguém teve coragem de falar. Ou, antes, ninguém queria falar.

Minha mãe começou a abrir aquelas latas feliz e orgulhosa.

Despejou o conteudo daquelas latas numa travessa e acho que, na excitação daquele ato, nem estava percebendo que eram batatas.

Ela começou a servir um por um. Todos quietos, mudos, recebendo suas porções sem saber o que falar.

O primeiro começou a comer, foi seguido pelo outro, e outro, que seguiu os demais. E, de repente, éramos quatro filhos e um pai comendo batatas como se fossem peras.

Minha mãe tinha o hábito de servir os filhos. Ficava andando pela cozinha e, geralmente, só sentava quando praticamente já tínhamos acabado de comer.

Quando terminamos de comer a sobremesa – juro, juro, que todo mundo comeu toda sua porção – minha mãe perguntou: “Estava bom?”

Todos reponderam que estava ótimo.

Sobrou na tigela uma batata. Minha mãe disse que não queria, não gostava de pera. Meu pai prontamente disse: “Vou terminar com esse pedaço, então. Está muito bom!”

Minha mãe morreu em 2006. Nunca soube que serviu batatas de sobremesa. Porque para nós, o que comemos naquele dia, foi a pera mais saborosa do mundo. Mesmo que não o tenha sido naquele dia, nas nossa lembranças, aquela cumplicidade muda, com que nós, seus filhos, nos comunicamos só com o olhar, transformou a batata azeda na fruta doc

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Em pé, encostada na pia do banheiro lendo uma revista Monet, enquanto o Guilherme tirava a roupa para tomar banho.

Observa que estou lendo e pergunta: que tá escrito ai?

Eu falei 24 horas

Ele me falou assim:

AS LETRAS VIRAM SONS QUANDO VC CONHECE ELAS

(Guilherme tem 6 anos, é meu neto, mora comigo, me chama de mãe e ainda não é alfabetizado)

Mãe você vai morrer?
- Agora não Gui, mas um dia eu vou., Porque?
Você não vai morrer não.
Ai encosta a mão no meu rosto e fala:
Você tem um pele ótima, seu nariz está ótimo, seu cabelo está ótimo, sua roupa está ótima, você está ótima. Não vai morrer mesmo.,
Bom se ele falou, ta falado.

Mãe conta uma estória para eu dormir?
-Tá bom, qual estória você quer?
Do carrinho amarelo. Que eu perdi e vc foi busca-lo. ( Repararam : fiquei de boca aberta: busca-lo)

(Guilherme tem 6 anos, é meu neto, mora comigo e me chama de mãe)
Gui ontem à noite:

- estamos fazendo um projeto na escola.
Um projeto? que legal. Projeto de que?
Ele senta na cama e fala;

É assim mãe: você sabe o vídeo game? Pensa que só tem fio dentro dele? Não, é TECNALOGIA . Nós estamos fazendo um projeto de TECNALOGIA. É O QUE TEM DENTRO DA TELEVISÃO, DO VIDE GAME.
Que legal Gui. Mas é TECNOLOGIA ta.
Caminho em direção à escola. Como sempre vou na frente e o Gui segue atrás.

Perto do Posto Policial encontro a Cema.
Atrasada, não dou papo, só digo Oi tudo bem e sigo em frente.
Escuto que ela cumprimenta o Gui ..

Dou uma paradinha para esperar o Gui, ele se emparelha comigo e diz:

Vou comprar um toca pra mim, assim ninguém mais põe mão no meu cabelo.

( A Cema tem o costume de cumprimenta-lo passando a mão no cabelo o que ele deve odiar).




Eu não entendo Mãe, tem uma coisa que eu não entendo ( erguendo os dois braços com as mãos fechadas)

_ tem uma coisa que eu não entendo , que eu não entendo mesmo Mãe:

- como eu posso te odiar e te mar tanto???????????

- vc me odeia Gui ??????????
- te odeio Mãe mas eu te amo.

E quando vc me odeia?
- quando vc me leva no shopping e não me compra nada, quando vc me manda tomar banho, quando vc me manda fazer lição, só nessas horas.

Mas eu te amo de todo o resto, eu te amo bastante.

Então ta bom.

(Guilherme tem 6 anos, é meu neto, mora comigo , me chama de mãe)